segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

A parte do prato

E o quê resta depois da festa? Eu respondo: sobram roupas usadas, corpo cansado, cara lavada. A intenção de preencher o vazio que nos acompanha é até boa e louvável, mas, de quê adianta se depois tudo volta ao normal?
A ceia é boa e, raríssimas vezes, surpreende com um cardápio que não havia sido planejado ainda. O prato é perfeito, dá até pra desconfiar do sabor, porque a cara está boa de mais. O medo de dar a primeira garfada é eminente, mas não tem mais jeito, agora é só lamentar. E então, eis que o inesperado acontece, os sinos badalam, e shazam: o sabor é incomparável, nosso paladar jamis foi contemplado com impreessão parecida e, tendo a possibilidade de escolher - rápido - entre comer apenas as garfadas que nos foram servidas ao prato ou devorar o manjar e lamber a louça, ficamos com a segunda opção, já que todos estão entretidos com suas aparências impecáveis e suas vidas perfeitas e sequer notariam o que se passa conosco, inebriados que estamos com a descoberta.
É provável que este prato já tenha passado pelas mãos de muitos, sem paladar aguçado para distingui-lo de outro qualquer. Creio que até por mim já passou iguaria de proporcional sabor, mas que não tive sensibilidade suficiente para notar seu real gosto. Contudo, com esta especificidade, garanto que nunca vi. Este era o meu prato.
Então, depois de nos lambuzarmos com o jantar, mal podemos acreditar que já acabou. Então, é hora de falar com o cheff e findar a curiosidade: o quê foi servido? Mas, eis que o inesperado acontece novamente, e não há cheff algum, apenas um lugar vazio no cargo mais respeitado da cozinha.
A sensação de fome foi-se embora, levando consigo a real ilusão vivida. Ninguém aponta em nossa direção, ninguém percebeu nada do que se passou e tudo segue normalmente. Menos pra nós, que vivemos e provamos do que foi servido.
A volta pra casa é automática,e nos recolhemos para dentro de nós mesmos, onde ninguém entenderá o que aconteceu e por isso é desnecessário compartilhar com alguém que não resida no nosso interior. E quem reside nesse lugar, na outra ponta da mesa? Para quem viveu essa sensação alguma vez, há um lugar vago e uma travessa vazia, esperando pelo prato e pelo cheff.
E depois de esperarmos à toa que alguém sente nesse lugar, levantamos e nos dirigimos ao toucador, que é o único lugar em que nos vemos realmente despidos e onde revisitamos nossas secretas fantasias e sonhos de outrora e de hoje, os quais são indispensáveis para acordarmos amanhã, colocarmos nossas vestimentas, e escondermos um pouco de nós para aquele que ainda não chegou.
E quanto a receita do que foi feito naquele inesquecível banquete, haverá repetição? Haverá cheff? Quanto a esta indagação, há como respondê-la porque não há uma resposta condizente a todos os paladares.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Crônica da saudade

Porque sentimos falta de alguém que sequer ocupou o lugar mais importante ao nosso lado. Não é uma pergunta, não. É uma afirmação para tentar justificar o injustificável que é o vazio, o buraco ou a cratera que há ao lado de quem sofre pela ausência de um amor que se foi, ou pela saudade de um que jamais existiu.

É difícil admitir, mas sinto uma certa ponta de inveja das pessoas que tem um amor e que são correspondidas. Não acredito em inveja boa ou ruim, apenas creio que existe o sentimento de olhar para a felicidade alheia e querer algo parecido pra si. Uma inveja que não é bem inveja, mas uma fonte de inspiração, talvez. A segurança de ter alguém e sentir-se amado é sonho que parece cada vez mais distante, não importa quão nobres sejam nossos sentimentos. O que de concreto existe é a realidade, comum a muitos, e que faz questão de mostrar-se toda vez em que o calendário aponta uma data especial, seja Páscoa, dia dos namorados, Natal... Ou até mesmo as datas que não foram previstas ou assinaladas por ninguém, apenas aqueles momentos particulares, em que não há ninguém pra compartilhar a alegria de uma conquista ou a dor de um – ou de mais um – fracasso. Pior ainda é não ter ninguém sequer para ouvir uma música e reviver um momento que ficou na lembrança.

A gente se faz passar por forte quando na verdade se borra de medo. Engolimos a seco um dissabor da mesma forma que tomaríamos um suco de laranja gelado em um dia de calor, enquanto que nossa real e única vontade é cuspir tudo e sair correndo pros braços de alguém que nos passe segurança. Alguns “quase que sortudos” – acho que me enquadro neste seleto grupo – têm a sorte de poder contar com pais, ou amigos, ou quem quer que seja, capaz de dar esta força. Mas não é de amor fraternal apenas que precisamos a partir de certa fase da vida. É de pele, química, carne, corpo e, principalmente, coração. Onde você está?